Família abre as portas de casa e a intimidade de Arlindo Cruz no primeiro Dia dos Pais do sambista fora do hospital
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14/08/2018 18H46
Banjo em punho, Arlindinho entra no quarto do pai e se posiciona aos pés da cama. Num show particular, começa a tocar o instrumento e a cantar a plenos pulmões “Meu caminho”, samba que fez de presente para ele num Dia dos Pais, e “Esse nêgo”, música que acaba de lançar em clipe e foi composta por Arlindo e sua mãe, Babi, no calor da emoção de seu nascimento. Olhos vidrados no herdeiro de vida e arte, o veterano ora chora, ora sorri com a homenagem do filho, que não mora mais sob seu teto, mas lhe é visita constante, às vezes até de madrugada, quando perde o sono e decide matar a saudade.
É assim desde 2 de julho, quando o sambista voltou para casa após um ano e quatro meses internado por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que abalou as estruturas da família Cruz.
— No último ano, ganhei responsabilidades mil: uma outra filha (ele é pai de Maria Hellenna, de 5 anos), só que grande (a irmã, Flora, de 15); a banda; e os funcionários que passaram a depender de mim. Duas semanas após o ocorrido, voltei aos palcos com a turnê “Dois Arlindos”, que eu fazia com meu pai. Só me restou ser forte. As contas não esperam. No início, era difícil cantar as músicas dele. Chorei muitas vezes, ainda choro, porque sei das histórias de cada uma. Tudo me emociona e dá saudade — conta Arlindinho, de 26 anos, de quem Arlindo sempre exigiu postura e firmeza: — Para mim, ele era um pai brincalhão, mas rígido. Já Flora sempre pôde tudo...
Em vez de contrariar, a caçula concorda com a “reclamação” do irmão.
— É, comigo ele sempre foi bobão, geleia (risos). E muito ciumento! Mas sempre que eu arrumava um namoradinho, era para ele que eu contava, e não para a minha mãe. Meu pai é meu cúmplice! — afirma a estudante, porta-bandeira, maquiadora, blogueira, modelo plus size e digital influencer: — Aprendi a valorizar pequenas coisas.
Antigamente, ele chegava de viagem, e eu não dava muita atenção. Hoje, não desgrudo dele. Acordo e já o abraço, peço a bênção... Toda hora eu vou lá e dou um beijo. É muita alegria ter meu pai de volta, em casa. Eu me cobro amar cada dia mais, curtir a presença dele.
Esteio da família, Barbara Barbosa Macedo da Cruz, a Babi, exalta o amadurecimento do primogênito neste período difícil e afirma que tentou equilibrar os deveres dentro de casa para que os filhos não se consumissem tanto.
— Eu disse a eles: “Essa etapa é minha, vocês não podem parar a vida por causa do seu pai”. Assumi a parte braçal, e eles vêm se doando em amor e carinho — explica a empresária, de 47 anos, companheira de Arlindo há 32, lembrando que o marido fazia tudo pelas crias: — Ele sempre foi um pai muito presente. Ia às reuniões de escola, levava ao pediatra, tomava lição, estudava junto... Poucos sabem, mas Arlindo é um excelente professor de Matemática e Física, fala francês fluentemente. A faculdade de Flora, ele deixou garantida. Sempre se preocupou com o futuro dos filhos, caso algo acontecesse com ele.
Babi diz que os gastos, atualmente, são altos. Arlindo necessita de assistência 24 horas e é acompanhado por uma equipe integrada por enfermeiro, cuidador, massoterapeuta, fonoaudiólogo e fisioterapeuta, além de um clínico e um neurologista. A agenda de shows de Arlindinho vai bem (são, em média, 20 por mês), mas eles pouco podem contar com a verba referente aos direitos autorais das quase 800 composições de Arlindo (segundo Babi, no Brasil, a burocracia é complicada). Assim como com alguns amigos, que se afastaram...
— A gente não tinha estrutura financeira para aguentar o que aguentou. Estamos num momento de aperto, mas com certa organização vamos vivendo um dia de cada vez. Eu perdi conhecidos que considerava amigos e ganhei amigos que não conhecia. Não cito nomes, mas acho importante falar. Entendo que todo mundo tem que seguir com sua vida, mas tive decepções com quem eu mais achei que poderia contar — desabafa Babi.
No dia desta entrevista, encontramos Arlindo acomodado numa cadeira de rodas, assistindo à TV na sala de sua casa, localizada no Recreio, Zona Oeste do Rio. Ele pouco movimentava a cabeça, não emitia sons. Mas seu olhar comunicava um alento por estar entre os seus.
— Ele adora ver futebol! Assistiu aos jogos da Copa do Mundo e se emocionou todas as vezes em que tocaram os hinos do Brasil e da França, os países que ele ama — relata Babi, que atualmente compara o marido a um bebê, ao citar suas reações: — Ele fala mesmo é com os olhos. Mas a boca já solta umas sílabas quando a gente pergunta alguma coisa.
Flora comemora uma interação recente com o cantor e compositor:
— Perguntei: “Pai, você me ama?”. Ele fez o maior esforço e respondeu: “Amo!”. Aí eu pedi um beijo, e ele me deu um estalado!
A musicoterapia, acrescenta Babi, tem sido uma grande aliada na evolução da saúde do artista:
— Arlindo ouve música o tempo todo. Ligo o som bem alto e sambo, brincando com ele. Coloco para tocar James Brown, para ele se lembrar da adolescência, quando usava black power, e Nana Caymmi, voz feminina que ele tanto ama. Também preparei uma coletânea de canções francesas, de que ele sempre gostou e usava as melodias como base de estudo para compor seus sambas. Na hora em que vai dormir, coloco mantras de cura, bom sono, renovação de energia... A música tem poder de cura, mexe muito com o emocional.
Neste encontro para a Canal Extra, antes que o sol se pusesse, sugerimos fazer fotos da família na área externa, na rua do condomínio. Foi só o enfermeiro sair pelo portão com o músico que vizinhos começaram a se aglomerar nas proximidades. Gritos de “Tamo junto, Arlindo!” e “Força, guerreiro!” ecoaram à sua volta.
Percebendo a movimentação e compreendendo todo aquele aconchego, o cantor ficou com os olhos marejados.
— Acho melhor voltar com ele para dentro... Tenho medo de a pressão sanguínea subir — alertou Arlindinho, enquanto exibia para a fotógrafa, ao lado de Flora, as tatuagens que ambos fizeram no braço com a assinatura do pai.
O momento é de reclusão, e o carinho dos fãs tem chegado a Arlindo por meio de manifestações em shows de Arlindinho e de presentes, muitas vezes de cunho religioso, enviados à família.
— Fiz uma apresentação em Portugal, e a plateia ergueu várias faixas com mensagens positivas. As pessoas também nos mandam muitos santinhos, fitinhas do Senhor do Bonfim, água benta, óleo ungido... Materializam a fé em objetos para entregar a ele porque acreditam que ali haja cura. E a gente recebe tudo feliz, independentemente da religião. Boas energias são sempre bem-vindas.
Tenho certeza de que tudo isso ajudou no milagre de meu pai se manter vivo — detalha o filho mais velho.
No hospital, a corrente de orações também era ecumênica.
— Padre Omar não passava 15 dias sem celebrar uma missa lá. Waguinho, ex-Morenos, que hoje é pastor evangélico, ia sempre fazer cultos. André Diniz (compositor parceiro de Arlindo em sambas-enredo) é da Igreja Messiânica e ministrava johrei nele duas vezes por semana. Arlindo tem um samba que diz que não importa se o bem vem do amém, do axé ou do louvor.
É isso. Nós somos do candomblé por causa de nossos antepassados afrodescendentes. Honramos a nossa seita, o nosso culto aos orixás, mas respeitamos e convivemos com todas as crenças — afirma Babi, entregando que nos últimos meses chegou a resvalar na fé: — Tive uma queda de braço com a espiritualidade porque não aceitava perder Arlindo. Quando ele voltou para o CTI da última vez, eu disse: “Se meu marido morrer, não acendo mais uma vela, não rezo mais um Pai-Nosso nem uma Ave-Maria, não acredito mais em nada”.
Ele operou a cabeça cinco vezes! Parei de contar na 26ª infecção (pulmonar, de traqueia, urinária...) que apareceu nesse quase um ano e meio. Eu estava pronta para encarar qualquer barra, menos a de ficar sem ele. Fiquei abalada, mas logo tive a resposta e pedi perdão. Sei que nada será como antes. Estou como uma mãe de um filho especial que entende que ele nunca vai ficar curado, mas cuida dele para ser feliz e evoluir dentro de seus limites.
Meus orixás dizem que ele tem espaço de melhora, e eu vou sempre buscar recursos para isso.
Estes são, enfim, novos tempos, em que a família Cruz tenta se desvencilhar do peso daquele fatídico 17 de março de 2017. Num lar de atmosfera leve e esperançosa, Babi, Arlindinho e Flora procuram se afastar não só das más lembranças, mas dos julgamentos a que seu patriarca vem sendo submetido desde então, pessoa pública que é.
— Antes mesmo de Arlindo ficar doente, deixei de frequentar a internet. Não navego, mas estou por dentro do que rola, porque tenho funcionários que me contam. Sei que muita gente associou o AVC dele às drogas e às bebidas. Mas quem fala não sabe o que diz. Se importa mesmo esclarecer, ele estava limpo há pelo menos três meses.
Lembro bem, porque o carnaval do ano passado foi marcado por essa libertação. Procuramos ajuda clínica, a adicção é uma doença tão grave e séria quanto o câncer — revela Babi, admitindo pela primeira vez que o sambista lutava contra a dependência química: — Preciso limpar a barra do Arlindo porque ele é muito mais do que isso: é um bom caráter, um bom amigo que nunca escolheu a quem ajudar. E estava careta e feliz quando tudo aconteceu: cantarolava debaixo do chuveiro um partido alto que compôs para Caetano (Veloso) a pedido de (Maria) Bethânia, ansioso pela rabada com agrião que comeria no almoço.
Só peço às pessoas mais amor. Façam o bem, não critiquem sem saber, porque ninguém está livre de nada.
Daqui a exatamente um mês e dois dias, a corrente pró-Arlindo ganhará ares festivos. Seus 60 anos de vida serão comemorados num megashow no Citibank Hall de São Paulo, com direito à presença do aniversariante.
— Selecionamos alguns amigos para celebrar o Arlindo, que sempre foi muito animado. Os amigos mais próximos sempre souberam que 14 de setembro era dia de festa. Vai ser um “Parabéns pra você” com tudo a que ele tem direito, milhares de convidados na plateia.
Não sei se será o maior aniversário que ele já teve, porque quando meu marido completou 50 anos eu aluguei um helicóptero, todo adesivado, que soltou pétalas de mil dúzias de rosas em cima dele, no sítio onde a gente se casou. Mas, provavelmente, este será o mais especial, por se tratar da comemoração de um renascimento. A vida, para Arlindo, recomeça aos 60 — emociona-se Babi.
credito:https://extra.globo.com/tv-e-lazer/musica/familia-abre-as-portas-de-casa-a-intimidade-de-arlindo-cruz-no-primeiro-dia-dos-pais-do-sambista-fora-do-hospital-rv1-1-22964723.html?utm_source=WhatsApp&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar
Categoria:Noticias de samba e pagode